Acordo com o peso das horas não dormidas. O sol prolonga-se pelo estendal até aos pés da cama e não consigo esconder-me do pensamento. Todas as madrugadas o mesmo jogo de sombras e luz. Movimento as pálpebras, uma vez mais, e revolvo a coragem que me torna maré-cheia. Os ruídos do futuro, oito pisos mais abaixo, seduzem na sua inocência. Penso: Seria bom que todos nós dessemos rosto aos segredos, às mentiras. Acabássemos de vez com a hipocrisia reinante, com as regras instituídas que só servem para vandalizar os actos. E dou por mim, como habitualmente, em “modo Coelho da Alice”. Que se lixe. Passo seguinte: banho em estado hipnótico, é bom tomar banho entorpecido. Não se sente a sujidade da dor. No início do ano decidi que abdicaria da vida assente na rotina do “suposto sucesso” e hoje reaprendo a respirar. Quase tudo mudou. Só a dor, que sempre existiu, se mantém. Mas essa faz parte. Como faz parte o prazer, a pele, algum alimento e o riso.
Penso em ti e nas palavras que há umas horas trocámos. Fascina-me imaginar o teu sorriso quando recebes as minhas mensagens. Consegues surpreender-me nesse teu silêncio e tenho hoje uma vontade estonteante de conhecer o teu toque. Saio à rua com o passo apressado de um viajante indeciso. A bússola aponta a norte mas o caminho será o mesmo dos dias comuns. Penso em vender o carro topo de gama que me embaraça e simplificar. Como quando a dor me doía menos. Mas ainda não o consigo fazer. Já mudei muito, em pouco tempo, e a vida mudou muito mais. Não existe contemplações para quem espera tanto tempo.
Em segundos tento perceber onde errei. O que fiz mal feito. Tento identificar se sou mau homem, mau pai, mau amigo, mau amante, o porque do que me aconteceu para lá da decisão. No entanto, não vale a pena pensar. É outra dimensão. Penso mais do que respiro e, tantas vezes, pensar é irrespirável.
Em direcção à rugosa capital escuto canções. As canções apaziguam, aconchegam, reconciliam. Por momentos, recordo-me da senhora que se desviou do seu destino e resolveu entrar com o seu carro na minha vida. Pedindo ao pensamento, pois não acredito que exista mais “alguém” para me ajudar, para que não aconteça de novo. Fecho os olhos e continuo. Metro a metro no asfalto. Acredito que ira acontecer algo.
Sei que posso rasgar as fotografias e pernoitar ao relento. Sei que o bolor não alastra no meu sangue. Sei que percorro com a ponta dos dedos as lágrimas das ruas desertas. Tenho esta forma visceral de alimentar a minha própria loucura e por um beijo da mulher que amo, viajo 600 km às quatro da manhã. Sinto que neste momento o teu pensamento já me quer guardar e que tu estás à distância desse beijo.
Mas por enquanto um senhor, com umas meninas de calendário penduradas nos olhos, lembra-me que não posso adormecer ao volante. Um destes dias completo a mudança. Quando menos esperar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário